quarta-feira, agosto 30, 2006

Morrer de coração partido

Carla Marina Mendes
correio da manhã 30/08/2006

Morrer de amor é possível. A confirmação chega através de um estudo científico que comprova o que há muito defende a voz do povo. Mas se há quem não resista à perda da cara-metade, sobreviver é possível. Com apoio e muita força.

Incapaz de suportar a saudade, o marido morre pouco tempo depois de a mulher ter fechado os olhos para sempre. Este não é apenas o episódio de uma família, mas uma situação recorrente, que pode ser um dos efeitos do luto. Morrer de coração partido parece uma história de ficção, mas a perda da cara-metade pode levar mesmo à morte de quem fica. É a Ciência que o confirma.Diz um estudo recente, realizado por especialistas das faculdades de Medicina da Universidade de Harvard e da Universidade da Pennsylvania, nos EUA, que a hospitalização do cônjuge por motivo de doença grave aumenta o risco de morte, sobretudo quando os casais têm mais de 65 anos. Avançam ainda os cientistas que a probabilidade de o homem morrer é 21 por cento maior depois de lhe morrer a mulher. Para elas, o risco é de 17 por cento quando perdem o marido. A hospitalização de um dos elementos do casal é suficiente para aumentar o perigo – 4,5 por cento para os homens, 2,7 por cento para as mulheres.

A vontade de viver também fugiu, há quatro anos, a Joaquim Pires. Quando a morte bateu à porta e lhe levou a mulher, com quem partilhou a vida durante quase 25 anos, pensou não ser capaz de continuar. Mas decidiu-se pela vida. “Não é fácil, é muito triste. Nem tenho palavras para descrever o que se sente”, conta ao CM.

Hoje com 53 anos, recorda os oito meses de uma longa batalha para levar de vencida um cancro no estômago. Não esquece os médicos e hospitais, os exames e tratamentos, as promessas de cura falhadas. E não esquece também a mulher. “Nunca se consegue ultrapassar a perda, nunca mais se esquece, mas temos de ter força, não podemos continuar para sempre a chorar.” O apoio da família foi, conta, decisivo para conseguir olhar para a vida com outros olhos.

“A morte de uma pessoa querida é uma experiência extremamente dolorosa, um processo emocional fortíssimo”, confirma Ana Isabel Cruz, psicóloga e vice-presidente da Associação Apelo – Apoio à Pessoa em Luto. “Isto acontece porque precisamos das ligações com outros. Quando perdemos alguém, os vínculos não deixam de existir, mas a relação tem de ser reelaborada, o que desestabiliza emocionalmente e obriga ainda, quando se trata de um casal, à necessidade de reorganizar toda a vida e os papéis antes atribuídos ao elemento que partiu.”

TERRAMOTO EMOCIONAL

Segundo a especialista, o luto não é uma doença, mas antes um processo complexo, dividido em etapas: “A primeira fase é a da desorganização, a que chamamos fase de negação, em que não se acredita que aquela pessoa se foi embora e se espera que regresse a qualquer momento.” Seguem-se outros momentos, que vão desde grandes alterações emocionais ao choro profundo, sentimentos de culpa e agressividade. “Todo um emaranhado de emoções fortes, que pode durar dias ou semanas.”

Joaquim Pires sentiu essas emoções, a dor, revolta, saudade, mas foi capaz de ultrapassá-las. “Apesar de termos vontade, não podemos desaparecer por algo que Deus quis. Temos de ter força e ânimo”, afirma. Outros há que não o conseguem e se mantêm num luto que os especialistas chamam de patológico. Desistir de viver é comum, o que, refere a psicóloga, está relacionado com a falta de apoio nas horas difíceis, com o percurso social, personalidade de cada um e ainda com questões anteriores. “Quando há problemas não resolvidos noutras esferas, a morte faz com que eles regressem.”

PARA ALIVIAR O SOFRIMENTO

OUVIR

Ajudar alguém a ultrapassar o luto é possível. Ouvir os desabafos, aceitar as acções, mesmo que aparentemente desconcertantes, ajudar a resolver os problemas mais práticos e evitar comentar comportamentos ou atitudes ajuda quem sofre.

ISOLAMENTO NÃO

As pessoas que perdem alguém que amam tendem a isolar-se. Mas desabafar é a melhor solução, assim como falar livremente sobre a pessoa que se perdeu, sem receios ou vergonhas. Devemos ajudar quem está de luto a evitar o isolamento.

PARTILHAR A DOR

Diz quem sabe que o luto é um processo normal. Para o enfrentar de forma saudável há que agir de acordo com o que dita o coração, viver o dia-a-dia, dar tempo ao tempo, partilhar o sofrimento, para que seja mais fácil de enfrentar a ausência de quem partiu.

PROCURAR AJUDA

Há profissionais capazes de aliviar a dor de quem sofre. Procurar ajuda especializada pode ser importante para ultrapassar os momentos mais difíceis. A Associação Apelo disponibiliza essa ajuda. O contacto pela internet é http://www.apelo.web.pt.

ESTUDO CIENTÍFICO CONFIRMA QUE A DOR MATA

Nicholas Christakis, um dos autores do trabalho que, pela primeira vez, passou para a prática o que a teoria há muito defende – que a morte ou a hospitalização do cônjuge aumenta o risco de morte para quem fica –, não hesita em classificar o resultado do estudo como surpreendente.

Depois de analisar mais de meio milhão de casais com idade superior a 65 anos, verificou que o período em que o risco de morte é maior surge nos 30 dias seguintes à hospitalização ou morte do parceiro. Concluiu ainda que, “quanto mais debilitantes as doenças, maior a probabilidade de doença ou morte para o parceiro”. Isto porque os problemas do companheiro podem privar o parceiro de apoio emocional, económico ou prático, e aumentar os níveis de stress.

AJUDAR QUEM FICOU SÓ NO MUNDO

Proporcionar um espaço de partilha foi o objectivo de criação da Apelo, uma associação que existe para ajudar quem perdeu um ente querido. “Partilhar com outros que já passaram pelo mesmo e mostrar que é possível ultrapassar a dor é um dos grandes objectivos da associação”, diz a vice-presidente.

Ana Isabel Cruz sabe do que fala. A perda de um filho deu-lhe outra sensibilidade para lidar com a perda. A Apelo tem centros em Aveiro, Braga, Coimbra, Madeira, Porto e Setúbal.

SARTE E BEAUVOIR PARA SEMPRE

Conheceram-se em Paris, em 1929. Ele tinha 24 anos, ela 21 e ambos estudavam para se tornarem professores. Casaram e, apesar de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir terem tido vários amantes, fruto de um acordo estabelecido entre os dois que lhes permitia ter outros relacionamentos, formaram um dos grandes pares românticos da história. Almas gémeas, viveram sempre juntos e morreram, ele primeiro, em 1980, ela seis anos depois.

DALÍ SEM GALA ERA VIDA SEM SENTIDO

Dalí nunca escondeu que conhecer Gala foi o acontecimento mais importante da sua vida. Apesar da diferença de idades – ela era dez anos mais velha – e do facto de Gala ser casada com o poeta Paul Eluard, não conseguiram evitar o amor. Casaram-se em 1934, não mais se separando. Em 1982, Gala morreu. Nessa altura, Dalí já não pintava, resultado de uma doença que lhe causava tremores nas mãos. A morte dela agravou a situação e o pintor acabou por se juntar à mulher em Janeiro de 1989.

A COMPANHEIRA DO CAMARADA CUNHAL

O seu nome confunde-se com o do partido que dirigiu durante décadas. Álvaro Cunhal, o líder carismático do Partido Comunista Português, morreu em Junho de 2005, com 91 anos. Um ano depois da sua morte, o País foi informado da morte da sua companheira de vida e de ideais, Fernanda Barroso, que se despediu da vida aos 61 anos. Durante mais de 20 anos, a engenheira técnica química foi a mulher de Cunhal, com quem partilhou a vida e a paixão.

A MÃE DE TODAS AS TRAGÉDIAS DE AMOR

É a história clássica, sinónimo de verdadeiro amor. Quem não conhece a tragédia ‘Romeu e Julieta’, de William Shakespeare, que retrata o amor entre dois jovens de famílias rivais, impedidos de concretizar o seu amor, devido ao ódio que separava os dois clãs. Oferecida em casamento a outro, Julieta finge a sua morte através da ingestão de um veneno. Romeu, que desconhece os planos da amada, acredita que ela está morta e suicida-se. Ela, incapaz de viver sem ele, põe também fim à vida.

JUNTOS, MESMO DEPOIS DA MORTE

Nasceu Giulia Anna Masina, em San Giorgio di Piano, Itália. Ganhou protagonismo na rádio, mas ficou para sempre conhecida como a mulher do realizador Federico Fellini, com quem casou em 1943. Viveram juntos durante mais de 50 anos, até que a morte os separou. Primeiro ele. Ela segui-o, seis meses depois, vítima de cancro, em Março de 1994, com 73 anos. Descansam lado a lado no cemitério de Rimini.

O CASAL PERFEITO DA 'COUNTRY'

O casamento de 35 anos de Johnny Cash e June Carter é uma das grandes histórias de amor da indústria do entretenimento. Em Fevereiro de 1968, ele declarou-se e casaram semanas depois. June foi o porto de abrigo para Johnny, que a nomeou como uma das responsáveis por ter conseguido deixar o mundo da droga. Formaram um casal perfeito até que, em Março de 2003, June não resistiu a uma cirurgia ao coração. Johnny segurava-lhe a mão quando ela morreu. Seis meses depois, foi ter com ela.

SUPERAMOR PARA LÁ DA VIDA

Depois de ter sido Super-Homem, Chistopher Reeve teve de lutar sem tréguas contra a lesão que o deixou paralisado, depois da queda de um cavalo. Ao seu lado teve sempre a mulher, Dana. Chistopher morreu em 2004, aos 52 anos, na sequência de uma paragem cardíaca. Dana juntou-se ao marido em Março passado, com 44 anos, vítima de cancro do pulmão.

MÚSICA PUNK, SEXO, PAIXÃO E CRIME

Apesar da violência, a história foi de amor. Ele, um ícone da música punk, baixista dos Sex Pistols; ela era uma ‘groupie’, isto é, andava atrás de bandas famosas. Ambos viciados em drogas, conheceram-se em 1977 e apaixonaram-se. Em 1978, Sid acordou depois de uma noite de drogas e encontrou Nancy morta à facada na casa de banho do quarto de hotel onde se encontravam. Foi acusado do crime mas acabou por ser libertado. Morreu de overdose: muitos dizem que se suicidou, incapaz de viver sem Nancy.

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1 Comentários:

Blogger Cris said...

Para quê viver se nos falta quem amamos?

12:19 da tarde  

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